Da Responsabilidade Pessoal e Solidária dos Sócios e Administradores de Sociedades por Débitos de Natureza Tributária

 

Um tema que muito preocupa o empresário moderno é a possível responsabilidade pessoal-fiscal que pode recair sobre o mesmo (e seu patrimônio, naturalmente) em razão de créditos tributários eventualmente não quitados pela sociedade/empresa que o mesmo integrar e/ou administrar, gerenciar, na qualidade de responsável solidário pelo correspondente débito fiscal.

 

Tal possibilidade está prevista no artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional (CTN), que define as hipóteses de responsabilidade pessoal dos sócios de pessoas jurídicas de direito privado, diretores e gerentes, pelos créditos tributários de titularidade da sociedade, sendo expresso ao consignar que tal responsabilização somente ocorre quando comprovada adoção de atos que impliquem no excesso de poderes ou infração de lei, contrato social e estatutos das sociedades:

 

“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos:

(...)

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”.(grifos nossos)

 

Importa esclarecer que o efeito dessa norma não é extensivo a todas as hipóteses que impliquem excesso de poderes e/ou, principalmente, infração de lei.

 

Até porque, se assim fosse, todo e qualquer sócio, diretor e/ou gerente de empresa poderia ser responsável pelas dívidas da sociedade a que fizer parte em tal qualidade, seja nas relações de Direito Público ou mesmo nos negócios jurídicos de Direito Privado, pois o inadimplemento primário de qualquer obrigação, em suma, constituiria ofensa à lei a ponto de propiciar a aludida responsabilidade.

 

Nessa premissa, os sócios e diretores de uma sociedade poderiam ser considerados tributariamente responsáveis pelo simples não recolhimento de tributos pela sociedade. Ocorre, contudo, que o recolhimento dos tributos consiste obrigação legal da própria sociedade (pessoa jurídica), na condição de sujeito passivo da respectiva relação fiscal, na forma do art. 121, do Código Tributário Nacional (CTN), de modo que o contribuinte (e sujeito passivo) da respectiva relação tributária é a própria sociedade.

 

A personalidade jurídica e responsabilidades da sociedade (pessoa jurídica) não se confundem com aquelas que são atribuídas aos sócios e diretores de uma sociedade, na qualidade de pessoa física.

 

Por essa razão, o inadimplemento de obrigação tributária principal (pagamento do tributo) não pode ser considerado como infração de lei cometida pelo sócio, diretor e/ou gerente de uma sociedade, eis que tal responsabilidade fiscal, a princípio, apenas atinge o campo de obrigações da sociedade (pessoa jurídica), sendo certo, com isso, que a respectiva lei que impõe o pagamento de tributos à pessoa jurídica não importa qualquer obrigação legal à pessoa física que representa, administra e/ou gerencia a respectiva sociedade.

 

Assim, a expressão “infração de lei” contida no caput do artigo 135, somente pode ser entendida como violação de lei que venha a ser cometida exclusivamente pela pessoa física (sócio, diretor e/ou gerente) e que represente o inadimplemento de eventual obrigação legal que a ela couber diretamente.

 

Portanto, para que se configure a responsabilidade pessoal (e financeira) do sócio, nos termos do artigo 135, III do CTN, o ato ilegal deverá ser praticado pelo sócio enquanto pessoa física, e não no regular exercício de representação e administração da pessoa jurídica (empresa), razão pela qual o simples não recolhimento de tributos pela sociedade não implica na responsabilidade pessoal e solidária do sócio/diretor/gerente pelo crédito tributário devido.

 

Isto porque, o não pagamento de tributo devido pela sociedade apenas caracteriza a mora no adimplemento da obrigação tributária, não sendo causa para atribuição de responsabilidade pessoal subjetiva aos diretores, gerentes e representantes legais/sócios da sociedade.

 

Ao alicerce disso tudo, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) sedimentou a matéria e editou a Súmula n° 430, para expressamente dispor que:

 

"Súmula n° 430: O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente."

 

Logo, para se configurar a responsabilidade pessoal e solidária do sócio e/ou administrador pelos créditos tributários não recolhidos pela sociedade, faz-se necessária a configuração de infração à lei ou ato com excesso de poderes praticado pela pessoa do sócio/administrador em seu nome, exclusivamente.

 

Aliado a isso, é necessário, ainda, que a referida infração seja decorrente de dolo exclusivo do agente para que o mesmo seja pessoalmente responsabilizado pela infração, conforme se extrai dos termos do artigo 137, III, ‘c’, do Código Tributário Nacional (CTN).

 

Atualmente, também é possível aplicar tal entendimento aos débitos tributários das sociedades junto à Previdência Social, cujo não recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias pode implicar em crime de apropriação indébita (art. 168-A do Código Penal) e que, por tal razão específica, possuía um tratamento diferenciado, regulado pelo artigo 13°, da Lei n° 8.620/93, que, por seu turno, previa uma responsabilidade pessoal e solidária dos sócios de forma direta e absoluta.

 

Ocorre que, em julgamento de recurso extraordinário de repercussão geral, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade do referido artigo 13 da Lei n° 8.620/93, na parte em que determinava que “os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada responderiam solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social”.

 

Diante disso, restou suprimida a aludida regra legal e especial que previa a possibilidade dos sócios de empresas responderem solidariamente, com seus bens pessoais e de forma indiscriminada, pelos débitos eventualmente contraídos pela respectiva sociedade junto à Previdência Social.

 

Com isso, também se aplica para tais débitos de natureza previdenciária, as regras contidas no artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional (CTN), sendo, necessário, portanto, que seja comprovado o dolo e a infração à lei pelo sócio/administrador, para que o mesmo seja pessoalmente e solidariamente responsável pelo pagamento do crédito tributário vencido e não pago, como já decidido pelo STJ.

 

Por outro lado, mister ressaltar o entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que a condenação dos sócios sem a existência de provas de que efetivamente contribuíram para a prática da apropriação indébita previdenciária enseja a “responsabilidade penal objetiva”, o que inexiste e é vedado no ordenamento brasileiro. Nesse sentido, importa destacar que o simples fato do nome do sócio constar em contrato social de pessoa jurídica não é suficiente para configurar o necessário nexo causal para caracterizar o crime de apropriação indébita (art. 168-A, do CP) e responsabilidade pelo pagamento do crédito tributário, fazendo-se necessário comprovar, contudo, que o sócio, administrador ou gerente da sociedade foi diretamente responsável pela ausência de repasse dos recursos aos cofres públicos.

 

Dessa forma, verifica-se que a responsabilidade pessoal e solidária de sócios, administradores e/ou gerentes por débitos tributários contraídos pela sociedade dependem, em suma, de comprovação de que os mesmos agiram com dolo e excesso de poderes e/ou infração à lei ou ao estatuto/contrato social da sociedade, na forma do artigo 135, III, c/c artigo 137, III, ‘c’, do CTN, e da jurisprudência dos Tribunais Superiores.

 

Leonardo Tavares Dias

Advogado, sócio fundador do escritório Tavares Dias Advogados; Graduado pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/RJ); Especializado em Direito Financeiro e Tributário pela Universidade Federal Fluminense (UFF); Especializado em Direito Desportivo pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).

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